Foi aprovado a 15 de dezembro de 2023 o Projeto de Lei n.º 332/XV, que “estabelece o quadro jurídico para a emissão das medidas administrativas que as escolas devem adotar para efeitos da implementação do disposto no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto, que estabelece o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e o direito à proteção das características sexuais de cada pessoa”.
A APEC – Associação Portuguesa de Escolas Católicas, sem prejuízo de anteriores tomadas de posição, manifesta a mais viva oposição ao projeto de lei atrás identificado, fundamentando-a nos seguintes pontos:
a) O articulado do projeto de lei em apreço, tal como a Lei n.º 38/2018 que atualmente vigora, surge no contexto alargado da promoção da chamada Ideologia de Género. No essencial, esta ideologia vem desligar o sexo (condição biológica) do género (assumido como socialmente construído), fazendo apologeticamente sobrepor o segundo ao primeiro.
b) É considerada uma “ideologia” precisamente porque a mesma não assenta em princípios científicos/ biológicos mas sim numa conceção social do homem e da sociedade. Contraria a objetividade científica mais elementar utilizando expressões como a fluidez de género, ou a transmutabilidade do sexo. Utiliza linguagem e terminologias erráticas, tais como sexo atribuído à nascença.
c) Ao abrigo desta ideologia legitimam-se verdadeiros atentados à dignidade humana e ao normal crescimento durante a infância e adolescência, fase de construção da identidade, permitindo-se precocemente intervenções cirúrgicas invasoras e humanamente limitadoras, medicação com efeitos irreversíveis, como bloqueadores de puberdade, num experimentalismo de consequências imprevisíveis.
d) O projeto de lei em apreço utiliza expressões pouco claras, revelando objetivos de ocultação mais do que clarificação, tais como transição social de identidade e expressão de género.
e) O projeto de lei em apreço preconiza a promoção de ações de informação/ sensibilização dirigidas às crianças e jovens, alargadas a outros membros da comunidade escolar, incluindo pais ou encarregados de educação, colocando a escola no papel de doutrinação da ideologia de género e não no papel, que milenarmente lhe é confiada, de formar crianças e jovens, ajudando a construir a sua identidade orientada para uma cidadania ativa, tendo em vista uma sociedade melhor e mais justa.
f) As escolas, e as escolas católicas em particular, pela sua essência, são espaços de diversidade e de proteção das crianças e dos jovens. No entanto, neste projeto de lei em apreço, preconiza-se que as utilizações das casas de banho devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa, pondo em causa a privacidade, a intimidade, o resguardo e a proteção das crianças e jovens das instituições escolares.
g) As escolas, e as escolas católicas em particular, têm procedido ao tratamento das situações que lhes surgem, com o cuidado, respeito e singularidade que elas lhes merecem, sem necessidade de uma generalização, vulgarização e normalização como é pretensão do projeto de alteração legislativa em causa.
Pelo exposto consideramos que:
a) O projeto de lei em apreço viola vários preceitos da Constituição da República Portuguesa (CRP), nomeadamente aqueles que garantem a integridade moral e física dos cidadãos, a liberdade e a segurança de todos, o entendimento da família como elemento fundamental da sociedade, o papel dos pais na educação dos seus filhos, cabendo ao Estado cooperar com os pais nessa missão. De modo flagrante e inaceitável, viola o disposto no art.º 43.º, n.º 2 da CRP, nos termos do qual o Estado está proibido de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas. A proposta de lei em apreço viola, além disso, vários outros princípios de direito.
b) As medidas preconizadas no projeto de lei em apreço nada têm a ver com proteção das diferenças individuais, diferenças essas já salvaguardadas quer pela Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86), quer pelo Estatuto do Aluno e Ética Escolar (Lei n.º 51/2012). Ademais, a Escola, e em particular a Escola Católica, universal, é um espaço privilegiado de aceitação, humanista, onde todos os indivíduos são iguais, sem condições, sem qualquer tipo de discriminação nem diferença na sua essência ou na prática escolar. Esta legislação emana de uma ideologia que, ao invés de ser construtora e edificante, é destruidora dos fundamentos societais, assente numa desconstrução de padrões de convivência social milenares.
c) A proposta de lei em apreço foi aprovada com o governo em condições de fragilidade política, com celeridade excessiva e sem o debate e o esclarecimento necessários, imprescindíveis a uma alteração legislativa desta natureza, com as consequências sociais dela decorrentes.
Face ao exposto, a APEC endereçou, nesta data, um pedido a Sua Excelência o Senhor Presidente da República para não promulgar o Projeto de Lei n.º 332/XV.
A Direcção da Associação Portuguesa de Escolas Católicas
Fátima, 10 de janeiro de 2024