Dados recentes da OCDE evidenciam que Portugal é um dos países de entre os que integram esta Organização internacional onde as diferenças entre ensino público e privado são mais acentuadas. Portugal, apesar de ser um país desenvolvido no contexto global, não é, seguramente, um país rico no contexto europeu. Portugal padece, hoje, de um problema conjuntural, que promete vir a tornar-se num problema estrutural, fruto da ideologia vigente. E esse problema caracteriza-se em três palavras: falta de liberdade. Sim, falta de liberdade, com todas as letras e com toda a frontalidade. O Partido Socialista, até ter encontrado esta solução governativa, nunca foi contra esta contratualização educativa, mas a novidade da sua posição – e da sua ação – justifica-se tanto pelas circunstâncias como pelos protagonistas.
A soma dos partidos derrotados nas eleições legislativas de 2015 decidiu acabar com um caminho de liberdade que vinha a ser construído desde meados dos anos 80, quando o Estado português entendeu que o modelo de desenvolvimento educativo do país não teria que ser, exclusivamente, garantido pelo Estado.
É assim que surgem os Contratos de Associação: reconhecendo o Estado que a sua rede de escolas não chegava a todos, acordou com entidades particulares, a maioria sem fins lucrativos, que estes assegurariam, através de financiamento, uma educação de qualidade aos alunos, em condições de acesso e frequência em tudo iguais às da escola pública estatal. A democracia portuguesa desde cedo compreendeu que para oferecer escolarização a toda a população não precisava de assegurar esse direito fundamental diretamente através de estabelecimentos propriedade do Estado, pois podia recorrer a outras entidades para o efeito, para tanto firmando contratos. A racionalidade por detrás desta prática permitiu não apenas uma universalização efetiva da educação em Portugal, como uma cobertura muito ampla do território, como ainda, ao longo de décadas, poupar centenas de milhões de euros ao Estado, pois os custos de financiamento destes estabelecimentos de ensino – que invariavelmente ofereciam melhores espaços e infraestruturas – eram, e são ainda, muito menores do que os custos de financiamento das escolas públicas estatais. Além de mais baratos – e esse nem sempre é o melhor critério – estes estabelecimentos de ensino respondiam a necessidades educativas locais, integravam alunos de diferentes estratos socioeconómicos e, porque tinham uma gestão descentralizada do ministério da Educação, ofereciam uma liderança escolar e um corpo docente estáveis, além da possibilidade de terem projetos educativos diferenciados.
Os contratos de associação eram uma resposta que funcionava, com resultados evidentes ao longo dos anos e eram, sobretudo, um espaço de liberdade e de autonomia que se perdeu. Com isso, perderam-se, também, milhares de postos de trabalho, naquele que foi, até à data, o maior despedimento coletivo da história de Portugal. Ironicamente conduzido pela soma dos partidos derrotados em 2015, contra a vontade das populações, contra a estabilidade contratual e perante a passividade do Presidente da República, este processo vergonhoso fez mais uma vítima recente. Refiro-me ao CAIC – Colégio Apostólico da Imaculada Conceição, em Cernache, gerido pela Companhia de Jesus, que definhou neste último par de anos e que acaba de anunciar o encerramento de portas, não abrindo no próximo ano letivo.
É justo e legítimo que o ministro da Educação tenha prioridades, e que as afirme, se bata por elas. Mas não é justo que desvalorize o valor moral, intelectual e pedagógico, nem é legítimo que faça a afirmação da escola pública estatal em desvalorização do sector particular e cooperativo. Este antagonismo, além de artificial, é pouco saudável para o sistema. O embuste propagandístico de que é através dos cortes nos contratos de associação que o Governo financia os manuais escolares gratuitos, é um exemplo da falta de seriedade de quem gere o ministério da Educação.
Como se a transferência destes alunos para a escola pública estatal não comportasse custos para o erário público! Comporta custos, sim, e num montante mais elevado por turma, além dos subsídios de desemprego a cargo da Segurança Social. Os custos financeiros são maiores, os custos sociais têm sido imensos. O preconceito ideológico do governo contra os privados na educação tem feito vítimas, entre os mais frágeis. Crianças forçadas a mudarem de escola e professores e pessoal não docente enviado para o subsídio de desemprego. Portugal é hoje um país menos democrático do que era há quatro anos, com menos liberdade de escolha na educação. Mas, felizmente, há mais vida para além do ministério da Educação e são cada vez mais os portugueses que, tendo possibilidade financeira, optam pelo ensino particular. Como apenas quem tem dinheiro pode frequentar estas escolas, o ensino particular está a elitizar-se. Ao afirmar que o privado a pagar de um lado e o público estatal gratuito de outro, o Governo está a empurrar as famílias das classes média-alta e alta todas para um lado. E tudo o que sobra, para outro. Quem paga, pode escolher. A elite socioeconómica junta-se e, junta, num casulo, fará o seu percurso educativo. O país andará, no espaço de uma geração, a duas velocidades totalmente distintas. A visão estatizante, preconceituosa e ideológica do setor da educação está a criar um problema social com consequências gravosas a prazo. A grande ironia é que é um governo de esquerda, com a sua agenda igualitária, fraterna e progressista, que está a criar um fosso social que faz lembrar os que existem nos regimes autoritários que tanta crítica merecem.
Por essa razão, a Escola, em Portugal, espaço de diversidade por excelência, está a tornar-se num espaço frequentado por alunos de estratos socioeconómicos semelhantes. Esta realidade, a prazo, não será boa para a nossa sociedade, e aprofundará a desigualdade entre cidadãos. O crescimento do ensino particular e cooperativo demonstra o sentimento dos portugueses que podem optar. O governo vai no sentido contrário. Volto a dizê-lo: felizmente, há mais vida para além do ministério da Educação.
João Muñoz de Oliveira no Observador