A primeira palavra é para elogiar esta obra e esta iniciativa. Li com muito gosto estes vários contributos e acho que a ideia de fazer este livro é muito feliz. Trata-se de elaborar doutrina, fazer pedagogia, afirmar princípios e valores fundamentais. Na sociedade em que vivemos, mais importante do que a força das decisões é a força dos princípios, dos valores e das convicções.
No caso vertente, é fazer doutrina e pedagogia em torno de um desafio essencial: a liberdade de educação. Esta, por sua vez, faz apelo a três conceitos fundamentais na nossa sociedade: responsabilidade, concorrência e qualidade.
Liberdade de educação é acentuar o outro lado da moeda, a responsabilidade: a responsabilidade de decidir, de escolher, de optar. A liberdade de educação é, em primeiro lugar, a responsabilidade dos pais e dos educadores de escolherem, de optarem, de decidirem. Liberdade não é libertinagem, é responsabilidade e é exigência.
Em segundo lugar, a liberdade de educação é a aposta na concorrência. A concorrência e a competição, se reguladas e devidamente escrutinadas, são saudáveis e boas. Só podem fomentar a qualidade e a excelência. É disto que nós precisamos na nossa sociedade e particularmente na educação. A qualidade e excelência conseguem-se em grande medida – ou são altamente impulsionadas – quando há um regime de diversidade e não de monopólio; quando à liberdade se contrapõe a responsabilidade; quando há um regime de concorrência que, devidamente regulada, ajuda a fomentar a excelência, premiando aquilo que é bom e ajudando a corrigir aquilo que está mal, viciado ou errado. Estes são os valores principais que estão subjacentes à ideia de liberdade de educação, que estão muito bem desenvolvidos e aprofundados em inúmeros contributos dados para este livro.
Em terceiro lugar, acho que este livro é muito importante porque, de uma forma explícita, em certos casos e implícita, noutros, desmonta algumas das perversidades que existem no nosso sistema em Portugal, e designadamente no nosso sistema educativo. Sublinho três, não numa tentativa de acusar ninguém, mas no sentido de fazer pedagogia.:
– A ideia de que tudo o que é escola pública é bom e tudo o que é ensino privado é mau. Isto é uma perversidade do nosso discurso, da nossa cultura política e da nossa cultura geral. Há escolas públicas com imensa qualidade e escolas públicas com pouca qualidade, como há escolas privadas com enorme qualidade e outras que a não têm; o bom e o menos bom estão de um lado como estão do outro. Não podemos ter, a este respeito, uma cultura maniqueísta.
– A ideia de que “serviço público” é sinónimo de “estabelecimento público”. Nada de mais errado. “Serviço público” é o objetivo; o estabelecimento é o instrumento. Não podemos confundir os fins com os meios. E há muitas escolas privadas que fazem verdadeiro serviço público.
– A terceira perversidade, que já acentuei em intervenções públicas a respeito da saúde mas que também se aplica no domínio da educação (nada disto tendo algo de pessoal): muitas vezes o titular da pasta da educação, vê-se como o ministro da educação pública. Ora o ministro da educação deve ser ministro de toda a educação, da escola pública, privada ou cooperativa. O ministro da educação deve sê-lo na sua totalidade, porque toda a escola que faz educação, que investe no ensino, que promove a qualidade e a excelência é bem-vinda. Não podemos estabelecer novos muros de Berlim quando eles acabaram, felizmente, há décadas. Em especial num país pequeno como o nosso, que precisa do contributo e do envolvimento fortíssimo de todos.
Estas perversidades estão subjacentes e claras, explícita ou implicitamente, em vários destes contributos, sendo importante fazer esta pedagogia, não para atacar alguém, não para acusar seja quem for, mas para fazer doutrina. É isso que importa.
Este livro, através de vários contributos, é um apelo àquilo que, no setor da educação, hoje é dos desafios mais importantes: a busca de consenso, de paz, de estabilidade e tranquilidade. Verdadeiramente importante é que este ambiente de paz, tranquilidade e concórdia, possa ajudar a motivar ainda mais os professores, que são decisivos numa escola, quer pública, quer privada. Sem professores verdadeiramente motivados o sucesso educativo é mais difícil. Para termos os pais e os educadores verdadeiramente empenhados naquilo que é importante: no contributo para que a escola seja um exercício de cidadania, de exigência, de qualidade e de excelência, e para que os alunos estejam focados no essencial. Temos de discutir, isso faz parte da democracia; temos de dialogar, isso faz parte da matriz da nossa sociedade; mas precisamos de um mínimo de paz, de consenso, de estabilidade e de tranquilidade para podermos ter sucesso.
Uma última palavra e não apenas para voltar a felicitar os autores destes textos e a APEC pela iniciativa desta obra. Esta última palavra não é por certo politicamente correta: é uma palavra sobre a Igreja Católica, porque esta é uma associação de escolas católicas. A Igreja Católica não está ligada apenas nos últimos anos à educação. A sua ligação ao setor é histórica, estrutural, antiquíssima. E a verdade é que o futuro se constrói na base da história e da memória, sendo estas que ajudam a dar credibilidade e solidez aos desafios futuros. Esta presença da Igreja Católica na educação foi decisiva durante muitos anos em Portugal, preenchendo lacunas que o Estado não preenchia, suprindo deficiências brutais que o Estado tinha, levando a educação, a cultura e o conhecimento a setores da sociedade que, de outra forma, não poderiam ter acesso a eles. Não se pode no presente e no futuro esquecer ou desvalorizar os contributos inestimáveis do passado. Finalmente, o contributo da Igreja Católica, nunca foi um contributo a pensar no lucro ou no objetivo material. Foi um contributo na base da afetividade e do conhecimento como instrumento de construção de uma sociedade mais livre, mais responsável e mais madura. Também, por isso, a Igreja Católica merece um cumprimento. Não é politicamente correto, mas é politicamente justo.
Intervenção de Luís Marques Mendes na Sessão de Lançamento do livro
“Uma Escola de todos, com todos, para todos – liberdade de educação”
02 de dezembro de 2019