Queridos irmãos e irmãs!
Quando vos convidei para iniciar este caminho de preparação, participação e lançamento dum pacto educativo global, nunca me passou pela cabeça a situação em que havia de desenrolar-se; o Covid acelerou e amplificou muitas das urgências e emergências que sentíamos, e revelou outras. Às dificuldades sanitárias, seguiram-se as económicas e sociais. Os sistemas educativos do mundo inteiro sofreram com a pandemia, tanto a nível escolar como académico.
Procurou-se por todo o lado implementar uma resposta rápida através de plataformas educativas informáticas, que evidenciaram não só uma acentuada disparidade de oportunidades educacionais e tecnológicas, mas também o facto de muitas crianças e adolescentes, devido ao confinamento e outras carências anteriores, terem sofrido atrasos no processo normal de desenvolvimento pedagógico. Segundo alguns dados recentes de agências internacionais, fala-se de «catástrofe educativa» – é talvez forte a expressão, mas fala-se de «catástrofe educativa» –, pois cerca de dez milhões de crianças poderiam ser obrigadas a abandonar a escola por causa da crise económica gerada pelo coronavírus, agravando uma disparidade educativa já alarmante (com mais de 250 milhões de crianças, em idade escolar, excluídas de toda e qualquer atividade formativa).
Perante realidade tão dramática, sabemos que as inevitáveis medidas sanitárias se revelarão insuficientes, se não forem acompanhadas por um novo modelo cultural. Esta situação fez crescer a consciência de que se deve imprimir uma viragem ao modelo de desenvolvimento. Para que respeite e defenda a dignidade da pessoa humana, tal modelo deverá partir das oportunidades que a interdependência mundial oferece à comunidade e aos povos, cuidando da nossa casa comum e tutelando a paz. A crise que atravessamos é uma crise geral, que não se pode reduzir nem limitar apenas a uma única área ou setor. É geral. O Covid tornou possível reconhecer, de forma global, que aquilo que está em crise é a nossa forma de compreender a realidade e de nos relacionarmos entre nós.
Neste contexto, vemos que não bastam receitas simplistas nem vãos otimismos. Conhecemos o poder transformador da educação: educar é apostar e infundir no presente a esperança que rompe os determinismos e fatalismos com que muitas vezes o egoísmo do forte, o conformismo do vulnerável e a ideologia do utopista se querem impor como único caminho possível[1].
Educar é sempre um ato de esperança que convida à comparticipação transformando a lógica estéril e paralisadora da indiferença numa lógica diferente, capaz de acolher a nossa pertença comum. Se hoje deixássemos os espaços educativos continuarem a reger-se pela lógica da substituição e repetição, incapazes de gerar e mostrar novos horizontes, onde a hospitalidade, a solidariedade intergeracional e o valor da transcendência fundamentem uma nova cultura, não estaríamos porventura a falhar o encontro com a História?
Temos consciência também de que um caminho de vida necessita da esperança fundada na solidariedade e que toda a mudança requer um percurso educativo para construir novos paradigmas capazes de responder aos desafios e emergências do mundo atual, de compreender e encontrar as soluções para as exigências de cada geração e de fazer florir a humanidade de hoje e de amanhã.
Pensamos que a educação seja um dos caminhos mais eficazes para humanizar o mundo e a história. A educação é sobretudo uma questão de amor e responsabilidade que se transmite, ao longo do tempo, de geração em geração.
Por conseguinte, a educação apresenta-se como o antídoto natural à cultura individualista, que às vezes degenera num verdadeiro culto do «ego» e no primado da indiferença. O nosso futuro não pode ser a divisão, o empobrecimento das faculdades de pensamento e imaginação, de escuta, diálogo e compreensão mútua. O nosso futuro não pode ser este!
Hoje temos necessidade duma renovada estação de empenhamento educativo, que envolva todos os componentes da sociedade. Escutemos o grito das novas gerações, que destaca a exigência e, ao mesmo tempo, a oportunidade estimulante dum caminho educativo renovado, que não volte o olhar para o outro lado, favorecendo graves injustiças sociais, violações dos direitos, pobrezas profundas e descartes humanos.
Trata-se dum percurso integral, no qual se enfrentem as situações de solidão e desconfiança quanto ao futuro que geram entre os jovens depressão, toxicodependências, agressividade, ódio verbal, fenómenos de bullying. Um caminho partilhado, no qual não se fique indiferente ao flagelo das violências e abusos contra os menores, aos fenómenos das meninas-noivas e das crianças-soldado, ao drama dos menores vendidos e escravizados. A isto vem juntar-se a amargura pelos «sofrimentos» do nosso planeta, causados por uma exploração sem cabeça nem coração, que gerou uma grave crise ambiental e climática.
Na história, há momentos em que é preciso tomar decisões basilares que imprimam marcas na nossa forma de viver e principalmente uma posição correta face aos possíveis cenários futuros. Na situação atual de crise sanitária – repleta de desânimo e perplexidade –, pensamos que este seja o momento de aderir a um pacto educativo global para e com as gerações jovens, que empenhe as famílias, as comunidades, as escolas e universidades, as instituições, as religiões, os governantes, a humanidade inteira na formação de pessoas maduras.
Hoje é-nos pedida a audácia necessária para ultrapassar visões extrínsecas aos processos educativos, superar as excessivas simplificações circunscritas à utilidade, ao resultado (padronizado), à funcionalidade e à burocracia, que confundem educação com instrução e acabam por fragmentar as nossas culturas; em vez disso, somos solicitados a procurar uma cultura integral, participativa e poliédrica. Precisamos de ter a coragem de gerar processos que assumam, conscientemente, a fragmentação existente e os contrastes que efetivamente carregamos connosco; a coragem de recriar o tecido de relações em prol duma humanidade capaz de falar a linguagem da fraternidade. O valor das nossas práticas educativas não será medido simplesmente pela superação de testes padronizados, mas pela capacidade de incidir no coração duma sociedade e fazer nascer uma nova cultura. Um mundo diferente é possível e pede que aprendamos a construí-lo, e isto envolve toda a nossa humanidade, tanto a nível pessoal como comunitário.
Apelamos, em todas as partes do mundo, de maneira particular aos homens e mulheres da cultura, da ciência e do desporto, aos artistas, aos operadores dos meios de comunicação social, para que adiram – também eles – a este pacto e, com o seu testemunho e trabalho, façam-se promotores dos valores de desvelo, paz, justiça, bondade, beleza, acolhimento do outro e fraternidade.
«Não devemos esperar tudo daqueles que nos governam; seria infantil. Gozamos dum espaço de corresponsabilidade capaz de iniciar e gerar novos processos e transformações. Sejamos parte ativa na reabilitação e apoio das sociedades feridas. Hoje temos à nossa frente a grande ocasião de expressar o nosso ser irmãos, de ser outros bons samaritanos que tomam sobre si a dor dos fracassos, em vez de fomentar ódios e ressentimentos» (Enc. Fratelli tutti, 77). Um processo plural e poliédrico capaz de nos envolver a todos em respostas significativas, onde as diferenças e as abordagens saibam harmonizar-se na busca do bem comum. Capacidade de criar harmonia: é disto que precisamos hoje.
Por estes motivos, comprometemo-nos, pessoal e conjuntamente, a…
• Primeiro: colocar no centro de cada processo educativo – formal e informal – a pessoa, o seu valor, a sua dignidade para fazer emergir a sua especificidade, a sua beleza, a sua singularidade e, ao mesmo tempo, a sua capacidade de estar em relação com os outros e com a realidade que a rodeia, rejeitando os estilos de vida que favorecem a difusão da cultura do descarte;
• Segundo: ouvir a voz das crianças, adolescentes e jovens a quem transmitimos valores e conhecimentos, para construir juntos um futuro de justiça e paz, uma vida digna para toda a pessoa;
• Terceiro: favorecer a plena participação das meninas e jovens na instrução;
• Quarto: ver na família o primeiro e indispensável sujeito educador;
• Quinto: educar e educarmo-nos para o acolhimento, abrindo-nos aos mais vulneráveis e marginalizados;
• Sexto: empenhar-nos no estudo para encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, para que estejam verdadeiramente ao serviço do homem e da família humana inteira na perspetiva duma ecologia integral;
• Sétimo: guardar e cultivar a nossa casa comum, protegendo-a da exploração dos seus recursos, adotando estilos de vida mais sóbrios e apostando na utilização exclusiva de energias renováveis e respeitadoras do ambiente humano e natural, segundo os princípios de subsidiariedade e solidariedade e da economia circulante.
Enfim, queridos irmãos e irmãs, queremos empenhar-nos corajosamente a dar vida, nos nossos países de origem, a um projeto educativo, investindo as nossas melhores energias e também iniciando processos criativos e transformadores em colaboração com a sociedade civil. Neste processo, um ponto de referimento é a doutrina social que, inspirada nos ensinamentos da Revelação e no humanismo cristão, proporcione uma base sólida e uma fonte viva para encontrar os caminhos a percorrer na situação atual de emergência.
Tal investimento formativo, baseado numa rede de relações humanas e abertas, deverá garantir a todos o acesso a uma educação de qualidade, à altura da dignidade da pessoa humana e da sua vocação à fraternidade. É tempo de olhar em frente com coragem e esperança. Que, para isso, nos sustente a convicção de que habita na educação a semente da esperança: uma esperança de paz e justiça; uma esperança de beleza, de bondade; uma esperança de harmonia social!
Lembremo-nos, irmãos e irmãs, de que as grandes transformações não se constroem à escrivaninha. Há uma «arquitetura» da paz em que intervêm as várias instituições e pessoas duma sociedade, cada qual segundo a sua competência, mas sem excluir ninguém (cf. ibid., 231). Por isso, devemos ir para diante: todos juntos, cada um como é, mas sempre olhando juntos para a frente, para a construção duma civilização da harmonia, da unidade, onde não haja lugar para esta pandemia ruim da cultura do descarte. Obrigado!
[1] Cf. M. DE CERTEAU, Lo straniero o l’unione nella differenza (Vita e Pensiero, Milão 2010), 30.