O Ministro da Educação Tiago Brandão Rodrigues, num exercício de transparência inédito que se elogia, veio revelar em entrevista à agência Lusa que o custo anual por aluno nas escolas estatais se cifra atualmente nos 6.200,00€, tendo este valor sofrido um aumento de cerca de 30% desde 2015. Desconhece-se a tecnicidade do cálculo de tal número, mas assume-se a sua veracidade, sabendo que o mesmo inclui, segundo o Ministro, gastos com docentes e restantes trabalhadores, investimentos na formação e no edificado.
A comunicação deste valor, que surpreendeu alguns setores, merece uma reflexão alargada acerca da Educação em geral e do modo como o Estado se relaciona com os seus parceiros do Ensino Particular e Cooperativo (EPC) na sua missão constitucionalmente estabelecida de promover a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva, cf. o n.º 2 do Artigo 73.º da Constituição da República Portuguesa.
O Estado mantém um serviço público de educação contratado com o EPC utilizando a figura jurídica do contrato de associação nas regiões onde a oferta das escolas estatais é insuficiente. É importante assinalar que o serviço público de educação contratado “obriga” as escolas a desenvolverem dinâmicas pedagógicas e organizativas em circunstância de igualdade com as escolas estatais, estabelecendo, nomeadamente, a não seleção de alunos, as medidas de apoio à inclusão, a organização curricular, o calendário escolar, entre outros. Tais exigências, naturais da parte de quem tem o papel regulador, de acompanhamento e supervisão, encontram terreno fértil de desenvolvimento, uma vez que muitas Escolas com contratos de associação, algumas Escolas Católicas, assentam a sua identidade e os seus projetos educativos numa visão humanista, integradora, priorizando o desenvolvimento de todos os recursos pessoais do aluno que lhe permitam crescer em sociedade com consciência social e com valores de cidadania ativa. Neste contexto, estas escolas desenvolvem verdadeiro serviço público de educação cujos projetos educativos preveem o desenvolvendo de ações e iniciativas que vão muito para além do estritamente contratado.
A revisão da rede pública abrangida pelos contratos de associação levada a cabo desde 2015 acarretou consequências amplamente debatidas na altura, com a destruição de escolas únicas e projetos educativos diferenciados e diferenciadores, de valor acrescentado no panorama educativo nacional, com elevadíssimos índices de sucesso escolar e de satisfação dos membros das comunidades. O que ficamos agora a saber é que estas Escolas permitem poupar aos portugueses dezenas de milhões de euros por ano. Fica claro, que a iniciativa de revisão da rede dos contratos de associação não seguiu um racional económico ou de eficácia de resultados; seguiu antes um padrão de decisão ideológica, cego, aplicado por quem sobrepõe os interesses ideológicos e discursivos aos interesses das pessoas e das comunidades. Urge, pois, no mínimo, rever o valor que é pago em contrato de associação das escolas (poucas) que ainda existem e que sentem a exiguidade do seu valor para dar resposta à subida no nível de vida em geral, às exigências cada vez maiores no apoio à inclusão e às progressões das carreiras docentes e não docentes.
Estes dados agora tornados públicos pelo Ministro da Educação estimulam, ainda, reflexões mais abrangentes sobre a organização escolar no seu conjunto e no relacionamento do Estado com o EPC. Ficamos a saber que custo por aluno nas escolas do Estado é superior ao custo anual das propinas de grande parte dos colégios privados, alguns deles considerados colégios de referência, frequentemente assinalados na Comunicação Social por via dos seus resultados escolares. É conhecida a distância e até estanquidade, em alguns casos, destes dois mundos e qualquer comparação merece todos os cuidados. No entanto, a diferença de valores é suficiente para não passar despercebida e para não se questionar a real eficácia do atual modelo organizativo da Escola estatal, tão caro para os contribuintes e com resultados tão pouco consensuais. Atualmente existem cerca de 240.000 alunos do Ensino Básio e Secundário a estudar em escolas não estatais. Por essa via, e porque estes alunos não sobrecarregam o ensino estatal, as suas famílias poupam aos portugueses cerca de 1.500 milhões de euros por ano.
Face a este cenário e tendo em conta o atual contexto político, estão criadas as condições para que se inicie, a curto prazo, um debate público, franco e despido de preconceitos que permita, de boa-fé, fazer uma reflexão do Estado da Arte da Educação e procurar encontrar caminhos eficazes de solidificação dos princípios que permitam ao Estado, em articulação com os seus parceiros do EPC, o desenvolvimento de políticas de educação que visem a redução das desigualdades e a promoção do desenvolvimento social, principalmente para os mais desfavorecidos, com horizontes numa sociedade mais justa e com acesso a ferramentas de equidade assentes na igualdade de oportunidade.
É urgente e decisivo:
• assumir o papel do Ministério da Educação como um verdadeiro Ministério de todos os alunos e todos os setores de Educação e não apenas da Educação estatal, assegurando a pluralidade e diversidade, a complementaridade, guiado por princípios de liberdade de aprender e ensinar;
• debater as várias modalidades de articulação com o EPC, nomeadamente a revisão dos modelos organizativos e de financiamento das atuais figuras jurídicas dos contratos de associação, de patrocínio, de cooperação, dos contratos de apoio à família, sejam simples ou de desenvolvimento.
Acredito que defender a Escola de serviço público é defender uma escola multifacetada, aberta a todos, com projetos educativos centrados no essencial: servir os alunos, as famílias e as comunidades. Acredito que o Estado deveria promover a cooperação descentralizada dos agentes locais, assegurando a identificação das famílias com o projeto educativo que as serve. Acredito, acima de tudo, que o preceito constitucional da “liberdade de aprender e de ensinar” não é (não pode ser) um privilégio daqueles que a podem comprar.
Manuel Lourenço – O Artigo Original no sitio da Diocese Leiria – Fátima