Há algumas semanas, comecei uma aula do 7.º ano, depois de um curto exercício de respiração, desafiando os alunos a classificar de 1 a 10 o que sentiam naquela primeira hora da manhã. O resultado foi curioso: embora não tivesse havido nenhuma nota negativa, os alunos tiveram alguma dificuldade em justificar as “notas” atribuídas, tendo manifestado mais facilidade em falar das coisas boas, do que das coisas más. Fiquei com a impressão de que tinham medo de dizer à turma que não se sentiam tão bem quanto gostariam, como se, sentir-se mal numa manhã, fosse algo reprovável. Esta curta experiência questionou-me como professor e como educador, de modo particular, sobre a forma como educamos: estamos a dar aos alunos espaço e tempo suficiente para dialogar com os seus sentimentos, lidar com os seus erros e integrar as suas frustrações? Será que não estamos a educar para a tirania de uma falsa felicidade, onde não há lugar para sentimentos negativos?
Frequentemente, quando questionamos um adolescente sobre o que quer ser ou quais os seus sonhos, obtemos a resposta curta “feliz”, como se a felicidade fosse um conceito claro e limpo, ou até universal. Contudo, tal como refere Jean Piaget, a experiência da frustração faz parte da dinâmica do desenvolvimento do ser humano, isto é, dos diferentes estádios de crescimento. Por outras palavras, a felicidade não tem como antónimo a tristeza, nem se define pela ausência de erro, mas pressupõe uma sabedoria que permite viver de forma integra todos os estádios. Apesar de uma certa resistência humana, a frustração pode ser assumida como uma oportunidade de mudança e conversão. Como educadores, depois de um ano tão exigente e, quiçá, extenuante, somos desafiados a dialogar com as nossas experiências de frustração e a ajudar os nossos alunos a fazer o mesmo.
A literatura insiste que as boas práticas de avaliação pedagógica exigem, da parte do educador, um feedback eficaz que permita ao aluno tomar consciência das suas competências e aprender com o erro. Os erros não têm de ser uma fatalidade, pelo contrário, podem ser uma oportunidade de aprender. Tudo depende da forma como encaramos a avaliação: como tribunal que julga os resultados e categoriza as pessoas, ou como processo que, fazendo parte da aprendizagem, permite à pessoa/aluno reconhecer/aprender com os seus erros e a lidar com a frustração. Não se trata, por isso, de uma mera superação das dificuldades ou de uma resiliência a toda a prova de terramotos. Trata-se, sobretudo, de aprender com o próprio processo de vulnerabilidade e de aceitação dos limites, de fortalecer a vontade de ser sempre a melhor versão de si próprio. Recorrendo a uma metáfora empregada pelo P. Arrupe, a educação integral, contra a tirania da falsa felicidade, é chamada a sedimentar em cada pessoa um esqueleto interno que lhe permita lidar com as distintas fases da sua história, em vez de educar pessoas-tartarugas, voláteis e sem vértebras, que dentro de uma carapaça dura se protegem contra todas as intempéries, vivendo numa frágil e ansiosa sensação de felicidade.
Recentemente, demos início ao Ano Inaciano em que celebramos uma dupla ferida de Inácio de Loyola: a ferida que sofreu na perna e a que lhe atingiu simultaneamente a alma, há 500 anos na batalha de Pamplona. Apesar de ser estranho celebrar uma ferida, não é inédito. No tempo pascal, somos constantemente convidados a contemplar as feridas do Senhor Ressuscitado. Como mostram as narrativas evangélicas, Ele não esconde as suas cicatrizes, não se envergonha da grande frustração da cruz, pelo contrário, supera-a reconhecendo-a e dando-lhe sentido. Celebramos uma ferida, uma experiência de frustração e de sofrimento, uma morte interior e o desespero da desilusão. No entanto, pela história de Inácio, sabemos o impacto que esta ferida teve no seu projeto de vida e a forma como, a partir da sua conversão, se fez pessoa, ajudando outros a encontrar paz nas suas feridas.
A par deste risco de educar para uma tirania da falsa felicidade, gostaria, ainda, de evocar um outro, tão perigoso como o primeiro: a ideia de que temos de vencer sempre. No desporto, esta ditadura de ter de ganhar sempre transforma-se, muitas vezes, no único objetivo da equipa, impedindo o fair play e promovendo a violência, como se a derrota não fizesse também parte das regras do jogo. Não me refiro à justa desilusão e tristeza provocadas pela derrota, mas à forma como se dialoga interiormente com esses sentimentos, impondo, por vezes, a obrigação hercúlea de superação do erro, que não favorece uma experiência de aprendizagem e aceitação.
Estamos à porta das Provas de Exame Nacional, isto é, de uma fase decisiva para o futuro de milhares de alunos portugueses que pretendem dar continuidade aos seus estudos, ingressando no Ensino Superior e sabemos que todas as décimas podem marcar a diferença. Todavia, parece-me tão importante preparar bem os alunos para as provas de exame como acompanhá-los na gestão emotiva dos resultados. Partindo da experiência de acompanhar alunos do Ensino Secundário, nesta fase do ano letivo, sou consciente como a frustração de uma nota não conseguida pode gerar feridas tão profundas como as de Inácio. Mas também já fui testemunha de como a frustração de uma nota não desejada se pode transformar numa oportunidade de conversão. Conheço, inclusive, alunos que mudaram de curso por causa da nota do Exame Nacional e que descobriram um gosto desconhecido por outras áreas do saber, que não tinham sido a sua primeira escolha. Os Exames Nacionais são, certamente, decisivos para o acesso ao Ensino Superior, todavia, não são determinantes do projeto de vida. Recuperando a metáfora que empregamos anteriormente, um aluno educado como “tartaruga”, meramente para ter notas, tenderá a viver um mau resultado como uma fatalidade irrecuperável, enquanto que um aluno educado “com um esqueleto interno” para um projeto de vida tenderá a processar a frustração de uma nota, numa leitura mais aprofundada de si, como uma oportunidade de repensar objetivos e desenvolver novas competências.
A este propósito, no documento “Tradição Viva”, no indicador n.º 10, encontramos a seguinte descrição: As Escolas Jesuítas devem comprometer-se com a aprendizagem ao longo da vida, que procura encontrar Deus em todas as coisas (n. 273), oferecendo oportunidades, dentro e fora da sala de aula, para que os alunos se apaixonem pelo mundo (n. 282), desejando transformá-lo com os seus dons e talentos (n. 283). O acrobata, quando deixa o apoio seguro e caminha corajosamente sobre um fio franzino, encontra a sua coragem no equilíbrio entre tensões. Assim também para o aluno, o equilíbrio não está na ausência de tensão, mas na forma equilibrada como aprende a viver, com sabedoria, as distintas tensões. Se a escola deseja ser um lugar fértil de aprendizagem, então, o educador, como pedagogo (do grego, “aquele que conduz”), sem reprimir o negativo, deverá ajudar o aluno a percorrer o seu caminho de equilíbrio, auxiliando-o no diálogo interior com todos os sentimentos e favorecendo espaços de integração de todas as tensões. Evitando a tirania de um sorriso forçado ou o imperativo da vitória a todo o custo, as escolas, como laboratórios dos cidadãos do futuro, têm que assumir a missão de ajudar a pessoa no conhecimento real de si, na construção de um projeto de vida e na busca da verdadeira da felicidade.
P. Carlos Carvalho sj – originalmente publicado no Ponto SJ