As escolas católicas em Portugal

1. Um olhar ao passado

A história da educação em Portugal está intimamente aliada à Igreja Católica…

1. Um olhar ao passado

A história da educação em Portugal está intimamente aliada à Igreja Católica. Se recuarmos até aos primórdios da nacionalidade, encontramos o Estado e a Igreja em sintonia, normalmente com o protagonismo desta. Nestas circunstâncias, não admira ser a Igreja a grande impulsionadora de espaços e ambientes de cultura e instrução, que progressivamente se vão estendendo a variadas franjas da população.

É à sombra dos mosteiros que o ensino é ministrado, a princípio só para os que seguem a vida eclesiástica, mas depois também para os que não aspiram a ser clérigos. Santa Cruz, em Coimbra, com os cónegos regrantes de Santo Agostinho, ou Alcobaça, com os monges de Cister, são polos excelentes de irradiação de cultura que marcam estes primeiros séculos de independência.

Em 1540, Inácio de Loyola, apaixonado por Portugal, funda a Companhia de Jesus e empenha-se, com os seus discípulos, na difusão da doutrina cristã e na arte de ensinar, instruir e educar. Embora vocacionados para a missionação, será sobretudo no ensino que os jesuítas atingem prosperidade e prestígio.

No século XVIII, com o Marquês de Pombal, a Companhia de Jesus é abruptamente afastada do palco educativo, e até expulsa do país, depois de uma série de episódios. Consuma-se assim a intervenção estatal na administração escolar.

A partir daqui, o Estado nunca mais deixará de cair na tentação de monopolizar o sistema educativo, mitigando, com maior ou menor grau, as iniciativas da Igreja e da sociedade civil. Até meados da década de 20 do século XX, as congregações religiosas oscilam entre a expulsão do país e o regresso, ora encerrando escolas, ora reabrindo-as. Mas cada vez se reabriam menos escolas devido à instabilidade política.

Contudo, mesmo marginalizadas, as escolas da Igreja, sobretudo as ligadas a ordens religiosas, conseguem impor-se pela competência e espírito de serviço. A par do ensino regular, dedicam-se à educação pré-escolar, ao ensino dos alunos com necessidades educativas especiais, ao ensino artístico, ao ensino técnico e profissional, ao ensino de classes desprotegidas.

O Estado Novo marcará o reencontro mais ou menos confortável da Igreja e do Estado, numa lógica titubeante que oscilará entre a cooperação e o conflito. É neste período, com realce para as décadas de 50 e 60, que o ensino privado – especialmente as escolas de matriz cristã – se expande mais intensamente, invadindo todo o território, privilegiando as zonas do interior, mesmo sem qualquer apoio financeiro do Estado. Nesta altura, a Igreja, através das suas escolas, terá sido a grande promotora da democratização do ensino em Portugal, ao nível do setor que mais procura social evidenciava – o liceu.

Todavia, a Batalha da Educação, no ocaso do Estado Novo, e o PREC, no limiar do regime democrático, coarctam determinantemente a liberdade de educação, arrasando grande parte dos estabelecimentos de ensino privado. Mais uma vez, as escolas católicas (EC), mormente as congregacionais, mostram-se como as mais capazes de resistir às adversidades. 

Com o regime democrático, e após o período revolucionário, abre-se um novo ciclo. E será neste cenário reconfigurado que, na segunda metade da década de 70 do século XX, as EC irão contribuir fortemente para a construção de um edifício normativo que regulará de forma duradoura as novas relações entre o Estado e ensino privado. Não será especulativo afirmar que na base deste novo dinamismo estão as EC, sobretudo com a criação da Associação dos Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo (AEEP). Também na génese da Confederação das Associações de Pais (CONFAP) estão as EC. Nesta altura, e perante um ensino estatal caótico, as EC facilmente se impõem pela qualidade da educação que ministram, sendo muito procuradas. Ao mesmo tempo, cerca de três dezenas delas, de grande dimensão, celebram contratos de associação com o Estado, recebendo gratuitamente os alunos. Entretanto, em 1980 cria-se o Departamento da Escola Católica, adstrita ao SNEC (Secretariado Nacional de Educação Cristã), e, em 1998, a APEC – Associação Portuguesa de Escolas Católicas, sob os auspícios da Conferência Episcopal Portuguesa.

Após duas décadas de alguma serenidade, surge o século XXI imerso em preocupações: é o acentuado decréscimo da natalidade; é o envelhecimento (e escassez) dos religiosos, muitos deles a dirigir as escolas; é a disseminação do secularismo; é a progressiva diminuição do poder económico dos portugueses, afetando sobremaneira as escolas sem financiamento estatal; é a sedimentação de contextos políticos tendencialmente adversos à liberdade de ensino. Tal cenário mostra-se sombrio para a generalidade das escolas, criando instabilidade, incertezas e alguma desmobilização. Também leva ao encerramento de muitas escolas.

Mas tudo isto é passado…

 

2. Escola Católica: uma proposta com(o) presente

O momento presente clama a EC. Perante o indiferentismo religioso e o secularismo, o seu projeto educativo mostra-se indispensável e urgente. Ele apresenta-se como um presente oferecido à sociedade portuguesa atual, tão carecida de valores humanos e evangélicos.

Mau grado as circunstâncias adversas, existiam no ano letivo 2015/16, no país (continente e ilhas), 134 EC (excluem-se as IPSS e o ensino superior), frequentadas por 63 684 alunos dos ensinos básico e secundário (equivalente a cerca de 5% do total de alunos), 3517 crianças do setor infantil (até aos 2 anos) e 6969 crianças do pré-escolar (3, 4 e 5 anos), totalizando 74 170 alunos. Laboram nas EC 5639 docentes, dos quais 712 (13%) são consagrados, e 3900 funcionários não docentes.

As EC distribuem-se assimetricamente por todo o país: as dioceses do Porto, Lisboa, Funchal e Braga têm 63% do total de EC, e há seis dioceses com menos de 3 EC, uma das quais – Évora – não possui nenhuma. Quanto à propriedade das escolas, cerca de 70% são tuteladas por congregações religiosas, havendo apenas 18 (13,4%) pertença das dioceses.

A presença da EC na sociedade portuguesa, apesar de pouco expressiva em termos numéricos, mostra-se muito significativa em termos sociais, dado o impacto positivo que apresenta. Associada a si, surge a imagem de organização, disciplina, seriedade, qualidade das aprendizagens, educação integral, valores. Destarte, a EC é procurada por gente de todos estratos sociais, raças e religiões. Todavia, esta “universalidade” que está na sua essência, nem sempre se compagina com a realidade. Com efeito, ao lado das poucas escolas – apenas 27 (20%) – que, graças ao apoio estatal, ainda vão proporcionando ensino gratuito a todos os alunos que as procuram, sobrevivem as restantes EC, praticamente dependentes das propinas pagas pelas famílias. As dificuldades económicas do momento presente, aliadas à reduzida taxa de natalidade, estão a condicionar fortemente o funcionamento harmonioso das escolas, escapando a este cenário nebuloso apenas as de grande dimensão (e tradição), sitas nos centros mais populosos.

Esta instabilidade (e incerteza) que atravessa todas as EC – agravada por contextos políticos e mediáticos francamente desfavoráveis – podem desvirtuar a sua principal missão: a educação cristã «no quadro da fé de uma Igreja pobre pelos pobres» (IL, 2014, I, n.º 2).

 

3. Escola Católica: uma proposta com futuro (apesar de tudo)

Se somarmos a todos os fatores desfavoráveis já apontados a crise das vocações consagradas, vislumbramos para os tempos vindouros um quadro pouco animador. Contudo, as dificuldades do presente mostram-se excelentes oportunidades para a EC se afirmar ainda mais no futuro.

Perante uma sociedade pobre em espírito, a EC oferece uma proposta de fé, ancorada no Evangelho e assente numa pessoa singular e incontornável – Jesus Cristo. Perante uma Igreja que necessita de palcos de evangelização, a EC assume-se como espaço eclesial privilegiado para transmitir a fé, atingindo todos os membros da família. Perante uma diminuição crescente dos consagrados, a EC pode ilustrar o envolvimento e corresponsabilidade dos leigos, mormente nos órgãos diretivos. No meio de escolas com projetos educativos constitucionalmente neutros, a EC oferece uma proposta diferente, com valores, abarcando todas as dimensões do ser humano. Perante indefinições do sistema educativo, decorrente de flutuações políticas constantes e impulsos inovadores ocasionais, a EC oferece estabilidade organizativa e práticas de aprendizagem com sentido, na sequência de séculos de experiência acumulada e pioneirismo. Perante progressivas cerceaduras às liberdades de aprender e de ensinar, movidas pelo Estado, a EC, atenta aos sinais dos tempos, tem sabedoria para reconfigurar geometrias atuais ou descobrir novos caminhos.  

A EC sabe educar com fé e para a fé, com paixão e emoção, com sentido, com valores, com criatividade, com visão; sabe harmonizar os saberes científicos com a interioridade e integrá-los na vida; sabe dialogar com as pessoas e com o mundo. Não tem que temer. As oportunidades apresentam-se como desafios. E a Igreja e a sociedade esperam a EC: «O colégio pode e deve ser catalisador, ser lugar de encontro e de convergência de toda a comunidade educadora, com a única finalidade de formar, ajudar a crescer como pessoas maduras, simples, competentes e honestas, que saibam amar com fidelidade, que saibam levar a vida como uma resposta à vocação de Deus, e a profissão futura como um serviço à sociedade» (PAPA FRANCISCO, 2013).

 

 

Referências bibliográficas

– COTOVIO, Jorge, O Ensino Privado nas décadas de 50, 60 e 70 do século XX – o contributo das Escolas Católicas, Coimbra, Gráfica de Coimbra 2, 2012.

– DGEEC, Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, Educação em números – 2016.

– IL, Instrumentum Laboris, Educar hoje e amanhã – uma paixão que se renova, Vaticano, 2014.

– PAPA FRANCISCO, Discurso aos estudantes das escolas dos Jesuítas na Itália e Albânia, em 7 de junho de 2013.

– SNEC, Secretariado Nacional da Educação Cristã, Estatísticas da Escola Católica 2015/16.

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