As uvas estão verdes, não prestam

A famosa fábula de Esopo, reescrita por La Fontaine, A raposa e as uvas, recorda-nos que a Esperança não é uma cenoura que nos faz pavlovamente correr, nem um umbigo desassossegado que encontra desculpas superficiais para justificar as suas frustrações. Sendo uma virtude cristã, não podemos reduzir a esperança a um movimento existencial de autossuperação ou à expectativa de que o ramo caia no caminho, sem merecer esforço ou compromisso. Tecnologicamente, sabemos que a raposa tinha muitas possibilidades diante de si, entre os vulgares escadotes, as sofisticadas naves espaciais, as robustas gruas, a compra de uvas exportadas por internet, ou, simplesmente, a possibilidade de pedir ajuda a alguém. Todavia, optando por se desculpar – “Estão verdes, não prestam, / Só cães os podem tragar” – a raposa não só desistiu, como ficou condenada ao azar da sorte ou à dependência do que o fado do destino lhe oferece.

A Companhia de Jesus definiu para o período de tempo que decorre entre 2019 e 2029 quatro preferências apostólicas universais, de onde se destaca a terceira: acompanhar os jovens na criação de um futuro promissor. Tendo o Papa Francisco convocado toda a humanidade para um Pacto Educativo Global, composto por 7 compromissos, parece-me oportuno, em Tempo Pascal, refletir pedagogicamente sobre a virtude teologal da Esperança e a forma como ela nos pode inspirar a educar para a Cidadania Global.

Serão as ideias recorrentes de que a escola deve ser um elevador social, que deve preparar para as profissões do futuro, que deve premiar o mérito, que deve promover o desenvolvimento de competências … compatíveis com a ideia de um futuro promissor? Ao centrar a educação em receitas e slogans de marketing, ao sobrecarregar os educadores com burocracias sisíficas, ao ditatorialmente impor à escola a solução de todos os problemas, não a estaremos a esvaziar da sua essência?

Na viva tradição inaciana, a essência da escola expressa-se através do binómio clássico virtudes e letras, hoje traduzido no desejo de educar integralmente para a excelência humana: educar pessoas conscientes, competentes, compassivas e comprometidas. Todavia, papaguear os 4 C, com a mesma frequência com que se toma um placebo, como tantas outras formulas educativas mágicas, não resolve o problema. Antes de propormos aos outros um modelo, temos que o assumir e assimilar, porque educar é sobretudo acompanhar com o testemunho, sem impor ou determinar – cura personalis. Nas palavras do saudoso P. Manuel Pereira Gomes, sj: “A formação/educação consiste em desenvolver no educando as modificações adequadas e convenientes que o levem a alcançar o seu fim último, ou seja, à maturidade pessoal que o prepare para viver ativamente na sociedade de que é membro.” (Pedagogia da Companhia de Jesus, 2018, p. 216). Por isso, a reflexão que a Páscoa nos sugere é a de que esperança damos testemunho como educadores: damos testemunho de uma esperança verdadeira ou de uma com pés de barro que brota das nossas frustrações.

Educar com esperança e para esperança, não se pode, assim, reduzir à justiça elementar de apenas oferecer um curso, uma profissão, um lugar na sociedade. A aluna e o aluno, isto é, toda a pessoa, deverá ir mais longe – magis –, libertando-se de preconceitos e preguiças, na construção de um futuro promissor. As uvas só estão verdes se a esperança não for criativa e a possibilidade de uma nova realidade ficar frustrada pela imposição de paradigmas dominantes, onde a felicidade é ausência de dor e a liberdade de expressão, dizer sem filtros o que não penso.

Mais do que olhar a ramada alta da vinha como uma impossibilidade e de obrigar a escola e os educadores a uma ginástica herculana de luta contra o desespero dominante, descrevendo socialmente as novas gerações em letras como K, X e Z, sem esquecer a terrível designação Rasca, tenhamos a coragem de morrer ao próprio amor, querer e interesse, para que um pacto global de esperança seja possível e a escola possa, para além de todas as aprendizagens essenciais e competências, como ágora, ser lugar onde a esperança se cultiva como virtude e não apenas como um sentimento epidérmico de que tudo vai ficar bem: aprendendo com os erros, não reduzindo os alunos a notas, promovendo a cultura e a literacia; não reduzindo os grandes problemas globais a soluções ideológicas; criando espaços para o diálogo e a escuta; promovendo uma efetiva participação democrática, a aceitação da diferença e a construção de um novo pacto global.

A esperança ainda está verde, mas pode amadurecer, através de uma renovada atitude interna, força motriz de tudo o que fazemos, antídoto eficaz contra a traça do desespero, da rotina asfixiante, da luta fatídica pela sobrevivência. Parafraseando: quod societas non dat scholae non præstat.

Pe. Carlos Carvalho, vice-presidente da direção da APEC, transcrito do Portal dos jesuítas Ponto SJ

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