Ensinei os meus filhos a orgulharem-se da história de Portugal, como os meus pais e avós me ensinaram. Onde vai parar a condenação da nossa história, hoje na moda? Vamos deixar de ensinar os Lusíadas?
1 As escolas públicas e os currículos nacionais tentam ensinar cada vez mais aos alunos modos de vida, concepções de família, além de uma visão cada vez mais crítica da história portuguesa. Pior, nalguns países, como aconteceu recentemente em Espanha, há ministros a defender a punição de pais que recusem alguns dos valores “progressistas” ensinados pela escola oficial.
Com a educação dominada pelas esquerdas radicais, as escolas começam a transformar-se em centros de militância política, abandonando a sua função central de transmissão de conhecimento. Além disso, pretendem invadir a esfera privada das famílias. Compete aos pais transmitir aos seus filhos os valores em que acreditam. Não é a função da escola. A escola deve ser agnóstica em relação a certas orientações. Se é no caso da religião, também deve ser perante a ideologia do género.
Estes equívocos começam com uma ideia errada do que é o progresso. As esquerdas dizem que a defesa do aborto, da eutanásia, e da ideologia do género resultam do progresso da nossa sociedade, como se o mundo caminhasse numa única direção. Ou seja, colocam o debate entre progressistas e reacionários. É fundamental contrariar esta visão da sociedade. Devemos, antes, reconhecer o pluralismo na nossa sociedade, onde visões diferentes sobre questões sociais devem coexistir. Ao Estado, compete apenas garantir esse pluralismo. Não deve intrometer-se nas escolhas individuais.
Por exemplo, uma educação católica não é reacionária. É uma opção inteiramente legítima e sobre a qual a escola pública não deve ter qualquer posição. A oposição ao aborto e à eutanásia não é reacionária. É tão legítima como a sua defesa. Os nossos filhos devem ser ensinados a respeitar os casais homossexuais e a recusar comportamentos descriminatórios. Mas é inteiramente legítimo dizer-lhes que um casamento entre um homem e uma mulher é diferente de um casamento entre homossexuais. E é inteiramente legítimo dizer-lhes que a união entre homens e mulheres é o comportamento mais habitual e aquele que garante o futuro da família. Foi isto que ensinei aos meus filhos, e não admito que a escola pública, onde todos os meus filhos estudaram durante anos, lhes diga que isso é reacionário. Aliás, é inadmissível a escola julgar os valores dos seus alunos. E escrevo isto porque aconteceu com alguns dos meus filhos. Estou de resto convencido que a maioria dos pais não inscreve os seus filhos nas escolas para serem doutrinados com a ideologia do género. Nada tenho contra as famílias que defendem esses valores. Mas sou absolutamente contra a escola pública como um veículo para defender e atacar modos de vida.
O ensino da história está a transformar-se noutro exemplo preocupante. Como João Pedro Marques tem argumentado, aqui no Observador, não compete à história julgar, mas sim explicar o passado. Os historiadores não são juízes, e a história não é um tribunal. Mais uma vez, ensinei os meus filhos a orgulharem-se da história de Portugal, tal como os meus pais e os meus avós me ensinaram. Onde vai parar a condenação da nossa história, agora na moda? Os nossos filhos vão deixar de estudar os Lusíadas e a obra de Camões? E a Mensagem de Fernando Pessoa será condenada? Fernão Lopes e Padre António Vieira passarão à categoria de autores malditos?
2 O radicalismo dos defensores da ideologia do género é visível nas primárias dos Democratas, nos Estados Unidos. Pete Buttigieg, talvez o candidato mais interessante de todos, é um homossexual assumido, vivendo com o seu companheiro. No entanto, não usa a sua homossexualidade como um trunfo político, tal como não a esconde. Trata-a como uma questão da sua vida privada, e muito bem. Ninguém tem nada a ver com isso. Ora, uma associação LGBTQ afirmou que o ‘Mayor Pete’ não é suficientemente gay para ser o primeiro Presidente gay dos Estados Unidos. Para os militantes da ideologia do género, não basta ser homossexual, é necessário ser um activista político, e ainda mais obrigatório quando se é homossexual.
Explorando a recusa em usar a sua orientação sexual para fins políticos, os apoiantes de Bernie Sanders tratam Buttigieg como o “Mayor Cheat” (o mayor aldrabão). Obviamente que a maioria dos eleitores democratas sabe que Buttigieg vive com outro homem. Aparentemente, será um dos principais obstáculos para ser nomeado candidato Democrata. Não consegue entrar no eleitorado negro e dos operários, devido à sua homossexualidade. A questão das identidades é muito mais complicada do que pensa o simplismo ideológico dos radicais. Talvez fosse melhor passar mais tempo a tentar compreender do que a julgar.
João Marques de Almeida no Observador